Arte Indígena Contemporânea: Como Artistas Originários Estão Redefinindo o Cenário Global da Arte

Descubra como artistas indígenas de diferentes regiões estão transformando o mundo da arte contemporânea com obras potentes, espirituais e políticas. Um novo tempo para a arte global. Arte Indígena

ARTE CONTEMPORÂNEA

autor: Astral

7/9/2025

A norueguesa Máret Ánne Sara, artista do povo Sámi, foi mais longe: empilhou crânios de renas
A norueguesa Máret Ánne Sara, artista do povo Sámi, foi mais longe: empilhou crânios de renas

Uma Presença que Sempre Existiu

Nos últimos anos, o mundo da arte testemunha um movimento que vem ganhando força e visibilidade: a ascensão da arte indígena contemporânea nos principais circuitos culturais globais. Exposições que antes davam espaço apenas a narrativas eurocêntricas agora se abrem para vozes que por séculos foram silenciadas ou marginalizadas. Da Tate Modern à Bienal de Veneza, artistas originários do Canadá, Peru, Austrália, Argentina e Nova Zelândia ganham lugar de destaque com obras profundamente ligadas ao conceito de território, ancestralidade e resistência.

O auge desse reconhecimento foi marcado pela Bienal de Veneza de 2024, intitulada de forma simbólica como Foreigners Everywhere. A edição premiou com o Leão de Ouro o artista australiano Archie Moore, por sua instalação celeste que retratava uma ancestralidade de 65 mil anos com giz sobre paredes negras. O coletivo Maori Mataaho Collective, da Nova Zelândia, também levou o prêmio por sua instalação com fitas entrelaçadas, criando sombras que atravessavam o espaço expositivo.

Esse reconhecimento não é moda passageira: é um reflexo da urgência por narrativas ligadas à terra, à memória e ao direito de existir. A arte indígena, como destaca a curadora Kelli Cole (Warumungu/Luritja), é um sistema visual sofisticado, com significados profundos. No caso da arte aborígene australiana, o uso de pontos e linhas remete ao "Country" — conceito que une natureza, espiritualidade e identidade coletiva.

A norueguesa Máret Ánne Sara, artista do povo Sámi, foi mais longe: empilhou crânios de renas com sangue diante do parlamento norueguês, em protesto contra a violência estatal.

A Emergência Global da Arte Indígena: Resistência, Pertencimento e Futuro

Mataaho Collective
Mataaho Collective

Novas Linguagens, Velhos Saberes

Enquanto artistas como Emily Kam Kngwarray continuam sendo referências da arte tradicional aborígene, com suas pinturas vibrantes em tons ocres e brancos, novos nomes rompem com os estilos convencionais.

Vincent Namatjira, neto do icônico aquarelista Albert Namatjira, é um exemplo disso. Com um olhar satírico e político, ele pinta figuras como a realeza britânica, Capitão Cook e bilionários australianos, revelando as contradições do poder. Sua obra já gerou polêmicas, como a tentativa de remoção de um retrato de Gina Rinehart do acervo da National Gallery of Australia. Mas também gerou reconhecimento: foi o primeiro artista aborígene a vencer o prêmio Archibald, o mais prestigiado da Austrália em retrato.

Do outro lado do mundo, artistas como Jaune Quick-to-See Smith (Confederação Salish e Kootenai) e Duane Linklater(Omaskêko Ininiwak) trabalham a presença indígena por meio da linguagem visual e conceitual. Smith mescla cultura pop e tradições em colagens potentes. Linklater cria instalações minimalistas para afirmar que a presença indígena é constante, viva e atemporal.

Na Argentina, Claudia Alarcón, artista Wichí, lidera o coletivo Silät. Suas tapeçarias, feitas por mais de 100 mulheres de sua comunidade, são repletas de olhos, árvores, pegadas e espirais — uma gramática visual ancestral traduzida em arte contemporânea. Para Alarcón, “a arte é uma mensagem, um grito calmo de permanência".

  • Mataaho Collective

Claudia Alarcón
Claudia Alarcón

Natureza, Conflito e Memória

Grande parte das obras desses artistas não se limita ao estético. Elas são declarações urgentes. O peruano Santiago Yahuarcani, do povo Uitoto, retrata em seus quadros o embate brutal entre natureza e destruição causada pelo homem. Com cores vibrantes e formas fluidas, suas obras denunciam o ecocídio da Amazônia.

A norueguesa Máret Ánne Sara, artista do povo Sámi, foi mais longe: empilhou crânios de renas com sangue diante do parlamento norueguês, em protesto contra a violência estatal. Para ela, a arte é instrumento de alerta: "Estamos esquecendo que é a natureza que sustenta a vida".

Esses trabalhos reafirmam que para os povos originários, a arte não é objeto, é relação. Ela serve para comunicar, curar, proteger e lembrar. Lembrar que, apesar do apagamento histórico, essas culturas estão vivas e em movimento.

Claudia Alarcón

Emily Kam Kngwarray painting Earth's Creation I in the Utopia region, Central Australia, 1994 Photo
Emily Kam Kngwarray painting Earth's Creation I in the Utopia region, Central Australia, 1994 Photo

Um Novo Capítulo da Arte Global

É preciso cuidado ao usar o rótulo "arte indígena" como se fosse uma categoria homogênea. Os contextos são diversos, as linguagens variam. Mas existe uma liga comum: a luta por território, o respeito ao tempo cíclico e a necessidade urgente de reparar memórias colonizadas.

Esse novo capítulo da arte contemporânea é escrito por vozes ancestrais em sintonia com o presente. E é também um convite: a repensar nosso lugar no mundo, a aprender com saberes antigos, a reconstruir o futuro com mais respeito, escuta e imaginação.

Artistas Citados e Links Oficiais:

Emily Kam Kngwarray painting Earth's Creation I in the Utopia region, Central Australia, 1994 Photo © reserved

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